Terapias de nova Geração

O pai da 1.ª terapia aprovada com as células T CAR – Dr. Carl June – foi o palestrante da Keynote Lecture de 20 de setembro, integrada no congresso da ESMO 2021. Na sua palestra, o médico e investigador explicou as diferentes estratégias que estão a ser desenvolvidas a nível de terapias celulares para o tratamento de tumores sólidos e líquidos, dando a conhecer o a perspetiva futura do tratamento oncológico. “Na próxima década iremos ter aplicações comerciais, para tumores sólidos e líquidos, de células T CAR e de células T com o TCR produzidos por engenharia génica”, defendeu o Dr. Carl June, explicando as diferenças entre CAR e TCR (tabela 1). Tabela 1. Diferenças entre CAR e TCR “Em 2017 a FDA aprovou o Kymriah e o Yescarta (CAR anti-CD19) […] e agora há mais aprovações, incluindo este ano para mieloma múltiplo com células T CAR anti-BCMA-1. Ou seja, é uma área em rápido desenvolvimento, que está a mudar o paradigma e a prática clínica através do uso de células T produzidas de forma personalizada”, realçou. Células T CAR e células T TCR são um Processo e não um Fármaco! “Isto é uma terapia muito diferente da maioria das terapias apresentadas na ESMO; é um processo e não propriamente uma droga e o processo começa com a extração das células T por aférese, manufaturação no laboratório e infusão no doente”, elucidou o Dr. Carl June. Apesar de, atualmente, as células T usadas nesta terapia serem células autólogas, existem ensaios clínicos que estão a testar células alogénicas derivadas de diferentes fontes, incluindo células do cordão umbilical, células de dadores saudáveis e células estaminais pluripotentes induzíveis (iPSC). “E não são apenas as células T que estão a ser testadas, também se estão a testar as células NK e os macrófagos”, informou o especialista. A modificação das células T é feita, atualmente, através do uso de vetores lentivirais ou retrovirais e os CAR aprovados pelas agências regulamentares são os de 2.ª geração (incluem um domínio de co-estimulação, que pode ser o CD28 ou o 4-1BB, cada um conferindo propriedades diferentes às células que T CAR). No entanto, novas ferramentas de engenharia genética estão a ser desenvolvidas e melhoradas. Edição do genoma humano: in vitro e in vivo “Gostaria de abordar a edição do genoma humano e do seu potencial para amplificar a eficácia e a segurança das células T [tabela 2]”, realçou o Dr. Carl June. Tabela 2. Edição do genoma humano De notar que a edição de genes na linha germinativa foi proibida (National Academy of Sciences and Medicine, 2015). “A biologia sintética pode aumentar o reconhecimento do alvo, a proliferação e a persistência das células T CAR, modificar e reprogramar o microambiente tumoral e permitir o controlo das células T CAR por parte do médico”, partilhou (Lim na June Cell 2017; 168:724). Células T modificadas por CRISPR em doentes com cancro refratário “Nós reportámos na Science (Stadtmauer EA et al. Science 2020; 367) o 1.º ensaio clínico com células T geneticamente manipuladas com CRISPR-Cas9”, salientou o palestrante. Neste estudo piloto, três doentes foram tratados com células em que três genes diferentes foram alvo de edição génica – locus TCRA, locus TCRB e locus PD-1 – em três cromossomas diferentes, e em que houve a inserção de um vetor lentiviral com a codificação de um TCR que tem como alvo o antigénio testicular NYESO-1, restrito para o HLA-A2*01. Os três doentes, após um controlo inicial da sua doença (2 com mieloma refratário avançado e 1 com sarcoma refratário) acabaram por progredir. Da análise genómica de 27 células de um doente que expressava o transgene TCR específico para o NYESO-1, verificou-se que 6 células tinham as 4 modificações (3 disrupções génicas pelo CRISPR e a expressão do TCR específico para NYESO-1). “É possível fazer edição multiplex”, concluiu. Disrupção de TET2 origina remissão completa em doente tratado com as células T CAR Um ensaio clínico de fase I que avaliou a terapia das células T CAR anti-CD19 (Kymriah) em doentes com leucemia linfocítica crónica refratária, revelou que a remissão completa alcançada pelo doente #10, ao contrário dos outros doentes, resultou da proliferação de um clone: célula T CAR CD8+ com TCR Vb5.1. Uma investigação aprofundada mostrou que o vetor lentiviral desse clone tinha sido numa região do genoma que provocou a perda da função do gene TET2 (Fraietta JA et al. Nature 2018; 558:307). Com base nesta descoberta, o laboratório do Dr. Carl June fez o knock-in de 2 genes diferentes nas células T CAR – introdução do CAR CD19BBz no locus TCRA (o CAR fica sob o promotor do TCRA para limitar a função da diferenciação das células T); e introdução do tEGFR no locus TET para facilitar a depleção das células T geneticamente modificadas (mediada por anticorpos) se surgirem questões de segurança – e caracterizou-as in vitro. A comparação das células com knock-in apenas para o locus do TRCA (controlo) versus células com duplo knock-in (locus do TRCA e locus do TET2), revelou que inicialmente havia uma mistura de células T CAR naïve e memória, mas que, com estimulações sucessivas, as células com disrupção do gene TET2 (duplo knock-in) tinham uma diferenciação moderada que reproduzia o que foi observado no doente reportado na Nature de 2018 (tabela 3). Tabela 3. Caracterização in vitro: células T com um único knock-in versus duplo knock-in “Verificou-se que a disrupção do TET2 reproduziu o que tínhamos observado no paciente que teve a proliferação clonal de células T altamente potentes e que tinham adquirido deficiência para TET2 […] Portanto, isto é uma descoberta muito excitante que planeamos testá-la em ensaio clínico no próximo ano”, partilhou o Dr. Carl June. Terapia das células T CAR em tumores sólidos “Temos de adaptar a tecnologia das células T CAR para os tumores sólidos e há muitos laboratórios empenhados nisto”, elucidou o orador, explicando que o seu laboratório iniciou um ensaio clínico de fase I com duas coortes de doentes com cancro da próstata infundidos com diferentes quantidades de células CAR T armored PSMA dnTGFβRII (coorte 1 = 1-3x107 células/m2; coorte 2 = 1-3x108 células/m2). Porém, o estudo encontra-se interrompido por dois doentes terem tido neurotoxicidade severa, estando sob investigação se o evento adverso foi causado pela síndrome de ativação dos macrófagos. Plataforma StimCAR: recrutamento de imunidade endógena Uma outra estratégia desenvolvida pelo laboratório do Dr. Carl June (em ensaio pré-clínico), e publicada recentemente (Johnson L et al. Cell 2021; 184:1), com o objetivo de melhorar o outcome da terapia com as células T CAR, é o uso de um CAR que expressa o anti-CD19 e um RNA antigo altamente conservado: RN7SL1. “Este é um RNA requerido para a secreção de proteínas, altamente estruturado, que também activa/reactiva a sinalização de RIG-I e estimula o gene IFN”, afirmou o orador, explicando que o RNA empacotado em vesículas endossomais que são secretadas para o microambiente tumoral, recruta e ativa as células dendríticas endógenas que fazem a apresentação cruzada de antigénios que não são alvo do CAR, aumentando a imunidade endógena. Perspetiva da imunoterapia no tratamento do cancro Na reta final da sua apresentação, o especialista partilhou que, no futuro, há a possibilidade de se fazer combinações de diversos tipos de terapia, incluindo agentes alvo, vacinas, vírus oncolíticos, transplantação de células estaminais hematopoéticas, manipulação do microbioma, quimioterapia e radiação. “Estamos num momento excitante na Oncologia com uma mudança de paradigma em relação àquilo que tínhamos durante muitos anos […] Criar terapias mais específicas e menos tóxicas é o objetivo desta área”, finalizou o Dr. Carl June.

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